A tendência das pomodoro sessions

O que aprender com quem se filma trabalhando ou estudando ao vivo

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Plataformas como Twitch e YouTube têm sido grandes amigas nesse período de pandemia. Não fazem apenas a alegria dos gamers e de quem curte lives musicais — lá tem conteúdos de negócios, esportes, receitas, etc. O streaming cresceu durante o distanciamento social, já que com muita gente parada em casa pareceu ser uma boa ideia fazer lives. Pra maioria é só passar o tempo em partidas de LOL e Fortnite, pra outros foi uma forma de renda alternativa.

E veja você, gente se transmitindo trabalhando ou estudando. Há alguns anos alguns estudantes e profissionais têm aderido às “pomodoro sessions” — lives inspiradas no método Pomodoro de produtividade. Eles trabalham por um período de tempo (geralmente 20 minutos) e descansam outro (uns 5 minutos). Enquanto trabalham a câmera permanece ligada transmitindo ao vivo, registrando todas as reações da pessoa, não importa o que ela esteja fazendo. E nos 5 minutos de descanso ela interage com a audiência que a assiste. O ciclo se repete durante o dia até que ela encerre os trabalhos. Você também acha estes conteúdos procurando pelo termo “study with me”.

O método não é exatamente novo e já tem milhares de adeptos ao redor do mundo — uma busca no YouTube já dá uma dimensão do quanto de conteúdo já é produzido desta forma. E o interesse pelo termo só cresce, se olharmos os Google Trends.

Entretenimento? Não exatamente. O que acontece aqui é as pessoas buscando uma conexão com alguém apenas para diminuir a solidão do trabalho/estudo remoto. E fazer isso “ao vivo” traz um pouco dessa sensação perdida para muitos com o distanciamento social.

via /claramatheus — Twitch

É meio que simular na cabeça que você está em um escritório ou em uma escola, e que pode conversar com pessoas enquanto trabalha, mas com regras estabelecidas. A simulação de um ambiente “público” pode funcionar muito bem para a produtividade, já que boa parte de nós não tem mais isso à mão.

Fiquei bem encucado sobre isso e decidi conversar com que faz. Pedi a ajuda da Clara Matheus pra matar minhas dúvidas. Ela é doutoranda em Literatura e criadora de conteúdo no Mimimidias (que aliás, recomendo que acompanhe quem gosta de um tom mais crítico sobre cultura pop em geral). Ela começou as lives inspirada pela Mikann, uma colega também criadora de conteúdo. E criou o canal na Twitch só para as sessions onde escreve sua tese de doutorado, e é assistida por uma média de 114 pessoas. “Antes de abrir meu próprio canal eu estudava nas lives da Mikann— e continuo estudando quando ela está ao vivo, mas eu não estou e preciso colocar algo em dia”.

Para Clara, as lives a ajudam a manter o cronograma de estudo e regular a rotina durante a pandemia. “Estar acompanhada por várias pessoas me dá coragem de enfrentar a escrita da minha tese de doutorado, que é algo bem assustador de se fazer sozinha”. Mas a câmera não atrapalharia, ao invés de ajudar? Clara diz que às vezes lembra que está ao vivo e isso pode atrapalhar, mas nada comparado ao que as sessions proporcionam em termos de rendimento na sua escrita.

Entendo bem a Clara — ser produtivo sozinho em casa é desgastante e mesmo para quem tem um psicológico forte resistir a todo esse tempo de isolamento é algo inédito para todos nós em termos de convívio coletivo. O que estamos fazendo agora não é home office, é outra coisa, como já escrevi antes.

via Live Co-Working Sessions on Twitch — Verbal To Visual

Me pergunto também se o próprio ato de assistir uma dessas lives não é uma forma de procrastinar. A Clara também me ajudou a entender isso melhor. “O que eu percebo é que pessoas abrem a minha live porque têm as próprias tarefas para cumprir. Sei que entre as pessoas que estudam comigo há uma demógrafa pesquisando mortalidade, um engenheiro eletricista trabalhando com biomassa, uma bioquímica investigando diabetes em moscas e outra bioquímica pesquisando a relação entre a violência e o manganês em uma espécie de peixes, uma caloura do mestrado em história, muitos programadores estudando Python, pessoas de cursos de graduação de diversas áreas do conhecimento e algumas pessoas mais jovens se preparando para o ENEM”. Durante as lives, Clara e seu público compartilham seus avanços nos estudos durante as pausas e em um canal para o happy hour no servidor do Discord.

“Uma coisa que me une a muitas das pessoas que frequentam as lives é a saudade do ambiente universitário. Eu não me sinto responsável pelo que as pessoas estão fazendo enquanto assistem a minha live, mas a gente se inspira mutualmente. Às vezes eu não estou vivendo nada de especial, mas saber que alguém acabou de defender um trabalho ou está estudando para a primeira aula do mestrado empolga e anima”.

No final das contas, colaboração é sobre isso. E que movimento legal.=)

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Estudando colaboração e cultura pop. Cosplay de mim mesmo na falta de verba.